CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 “MÃE, FAZ MAL SENTIR-ME ALIVIADA POR NÃO TERMOS SIDO NÓS?”
Publicado em: 10/09/2025
Talvez ajude a mitigar o sentimento de impotência, dar-lhes uma oportunidade de fazerem alguma coisa para mitigar o sofrimento dos outros, mesmo que só simbólica.


Querida Mãe,

A tragédia do elevador da Glória chocou-nos a todos. Na nossa ânsia de apaziguar o nosso medo e ansiedade, focamo-nos no cabo, no ângulo, no peso, nos políticos e nos culpados. É obviamente necessário procurar compreender causas e apurar responsabilidades, mas as verdadeiras razões por trás daquilo que a certa altura se tornou num verdadeiro circo mediático, com romarias ao local do acidente, suspeito que são as que a minha filha adolescente verbalizou há dias no carro: “Mãe, como é que pessoas que iam só passear, que estavam a caminho do trabalho, ou até iam visitar um amigo, acabam mortas? Mãe, faz mal sentir-me aliviada por não termos sido nós?”.

Estes pensamentos passam-nos a todos pela cabeça e resumem-se a este desconforto horrível de saber que a vida acaba de um segundo para o outro. Sempre. Mesmo quando as pessoas são mais velhinhas, mesmo quando já estão doentes. É assim, hoje estamos aqui, amanhã já não estamos. Mas se um adulto tenta, como pode, camuflar esta consciência, os adolescentes ainda não desenvolveram esses mecanismos de defesa. Senti-o nestes dias não só com os meus filhos, mas também com os amigos deles, que não paravam de fazer perguntas.

Mãe, a adolescência pode ser pintada como um período de rebeldia, mas é muito mais uma fase de medos. De medo de crescer, de não crescer. De ceder à pressão dos outros, de ser diferente dos outros. De quererem ser especiais e, simultaneamente, se confundirem com o resto da matilha. De viver e de não viver.

A mãe teve uma revista chamada “Adolescentes – Manual para Pais!”, por isso, diga-me, como apaziguamos estas ansiedades existenciais? Como falamos com eles sobre a morte? Há conselhos para crianças pequenas, mas, nestas circunstâncias, isso parece-me mais fácil porque não têm tanto acesso às imagens, à história e conseguimos simplificar a narrativa. Mas nestas idades não, veem as redes sociais, os amigos mandam-lhes notícias e fotografias, assistem a um vídeo de uma entrevista a uma vítima. Por um lado, aproxima-os uns dos outros, da realidade, mas por outro... temo que seja demais...


***


Querida Ana,

Estas tragédias deixam-nos sem fôlego porque, como dizes, não há forma de esconder de nós mesmos que não sabemos nem o dia, nem a hora, nem tão pouco a circunstância em que vamos perder a vida, mas já não temos dúvida nenhuma de que vamos morrer. É essa capacidade de encarar a nossa própria mortalidade que nos distingue dos animais, é esse sofrimento por antecipação que nos leva a fazer de tudo para manter a ilusão de que se formos capazes de fazer tudo certinho, se escolhermos o caminho pela floresta que a nossa mãe nos indicou, não vamos encontrar o lobo mau. Ora, quando uma desgraça como esta deixa bem claro que os inocentes também morrem, perdemos o norte.

É impossível que não tenha um impacto enorme num adolescente que talvez (espera-se), pela primeira vez, assiste à morte quase em direto, na cidade onde vive, nos sítios onde frequenta, de gente que, como dizia a minha neta, estava só a dar um passeio ou a ir para o trabalho. Se isto aconteceu àquelas pobres pessoas, então pode acontecer aos meus pais, também me pode acontecer a mim. E perceber que os pais são mortais, que podem desaparecer, e que não há ninguém que honestamente lhes possa jurar que estará sempre por perto para os proteger não pode senão provocar angústia. Como podem deixar de fazer perguntas e, também, de ficarem mais tristes, de se tornarem durante uns tempos mais nervosos, mais angustiados?

O que podemos fazer para os ajudar? Não sei muito bem. Provavelmente não muito, porque tudo isto faz parte de crescer, mas decididamente podemos tentar protegê-los de doses intensas do excesso de imagens. Mas, talvez, ajude a mitigar o sentimento de impotência dar-lhes uma oportunidade de fazerem alguma coisa para mitigar o sofrimento dos outros, mesmo que só simbólica: flores, donativos, um momento de silêncio à mesa do jantar (ao deitar não, por favor!), um encontro de amigos na praia para se sentarem num círculo e rezarem e chorarem juntos — para todos nós, mas para os adolescentes mais ainda, a pertença a um grupo, a amizade, é o maior antídoto.

Temos de evitar os pensos rápidos, aquelas tentativas de os “distrair” com uma euforia que ninguém sente, nem deve sentir, porque as coisas tristes deixam-nos tristes, ponto final. Dito isto, podemos celebrar as coisas boas que, mesmo nestas tragédias, revelam o melhor da natureza humana: os que ajudaram imediatamente, os que arriscaram a vida para ajudar os outros, os polícias, os bombeiros, toda a gente que se dedica a ajudar o próximo. Também não diminuímos o respeito pela dor dos outros se nos comovermos com os pequenos milagres como o da criança de três anos que, afinal, não perdeu os pais.

Por fim, podemos todos seguir os conselhos de Irvin D. Yalom, que nos manda viver plenamente cada dia, na certeza de que quanto menos arrependimentos tivermos, mais serenamente encararemos o fim da nossa viagem nesta terra. E, claro, fazer figas!


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