CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 MÃES GALOS DE BARCELOS
Publicado em: 29/04/2025
A culpa é do boletim meteorológico, logo a começar pela palavra "meteorologia" de que só o corretor ortográfico me consegue salvar, e das amêndoas da Páscoa, quer dizer, das que ainda sobrevivem até ao Dia da Mãe, que já aí está ao virar da esquina. Se lhe parece que não existe qualquer ligação entre a meteorologia conhecida de avanço, as amêndoas, a Páscoa e o Dia da Mãe, tenho de lhe dizer que anda muito distraída, porque na realidade está tudo ligado, como diria qualquer um desses amantes de teorias de conspiração que proliferam como as ervas daninhas no meu jardim. Por norma não me conto entre eles, mas, neste caso, tenho de confessar que desconfio que há um nexo de causalidade a que acrescento, se me permitem, a minha outra grande preocupação do momento: a forma desenfreada como a hera cresce pelas paredes exteriores de minha casa, ao ponto de pretender agora cobri-las também por dentro.

No fundo, no fundo, a vida é como aqueles desenhos por números em que só depois de diligentemente termos ligado os pontos surge uma figura reconhecível — um elefante de tromba longa ou uma girafa de pescoço comprido. Por isso, não desista já de continuar a ler este texto, porque no final, se tudo correr bem, vai fazer sentido.

Ponto número 1, o Tempo. Não o céu de hoje, que podemos constatar empiricamente e que é o que é, mas as previsões vendidas por uma qualquer aplicação fidedigna, que levam por água abaixo os nossos planos de um fim de semana em família com suficiente sol para nos secar as mágoas e redimir de um inverno demasiado chuvoso. De nada servem os avisos de que são falíveis, que podem mudar, porque começamos imediatamente a sofrer por antecipação, o mal está feito, mesmo que o mal verdadeiro nunca chegue a acontecer. Mas pode ser pior, podem confirmar os nossos desejos, para depois os desfazerem sem dó nem piedade, porque afinal, se chove a cântaros, de que é que valeu termos ido depilar as pernas e comprado um cesto de piquenique com uma toalha aos quadradinhos e imaginado ao pormenor um dia idílico em que todos, sem exceção, pais, filhos, noras, genros e netos, estão simultaneamente (muito) felizes?

O que nos leva ao número 2, as amêndoas de Páscoa. Porque são um indício. Como é que é possível que, disfarçadas de ressurreição, tenham aquele efeito mortal sobre a balança, aniquilando a nossa esperança de cabermos no fato de banho comprado ao abrigo das previsões meteorológicas (falhadas) do número anterior? Comprovando que quando nos regemos por expectativas, estamos condenadas a viver numa montanha-russa de emoções.

Tem o lápis bem afiado na mão? Se sim, continue até ao número 3, ao Dia da Mãe, isso mesmo. Se é mãe, sabe que a partir do momento em que temos um bebé dentro de nós, em que o damos à luz e até à hora da nossa morte, e mais além, desconfio, tornamo-nos numa cópia fiel da mais sofisticada aplicação meteorológica. Por muito que nos esforcemos por viver no presente, por gozar o nosso filho no aqui e agora, tenha ele meses ou anos, não resistimos a interpretar cada sinal como um indicador preciso do tempo que fará logo à noite ("Se o cansar agora, dorme doze horas de seguida de certezinha absoluta!"), do que virá amanhã, para a semana, ou daqui a dez ou a quinze anos, na ânsia desesperada de acalmar a ansiedade que nos provoca a íntima consciência de que, na verdade, não controlamos absolutamente nada.

Viciadas nesta ilusão de omnipotência, lá estamos nós insistentemente a clicar o ícone das nuvens e do sol, como quem interpreta uma carta astral: sorrindo de orelha a orelha, momentaneamente sossegadas, perante uma carreirinha de sóis brilhantes, estremecendo por dentro quando vemos 70% de probabilidade de chuva ou trovoadas ou o aviso de um "evento costeiro" de natureza indeterminada, prevendo a catástrofe — nesses dias, uma criança que faz birras leva-nos facilmente a imaginá-lo condenado a acabar debaixo de uma ponte!

Pobres mães, como rezamos aos santinhos e ao anticiclone dos Açores para que intervenham na vida dos nossos meninos, mantendo os céus azuis e afastando as tempestades — uma vela a Santa Bárbara, que protege dos raios e dos coriscos, é o mínimo que se exige.

Está a começar a perceber como, aos poucos, o desenho que surge no papel é o de um galo de Barcelos, como o que me deram em criança e ofereci aos meus filhos e netos? Sim, daqueles que mudam a cor das asas de um azul celestial a um quase roxo, conforme a humidade no ar? Pois, é exatamente essa a imagem que o espelho reflete quando uma mãe consegue um minuto para olhar para ele: transformamo-nos num barómetro, capazes de captar todas as alterações atmosféricas, as reais e as imaginárias, e é por isso que por muito que desejemos calar a cabeça e sossegar o coração, agitamo-nos constantemente com brisas e rajadas, aguaceiros, neves e granizos, para já não falar no orvalho e na neblina. Ficamos peritas em decifrar as nuvens, alegramo-nos com os Cumulus, aqueles farrapos que não interferem com nada, e assustamo-nos com os Cumulonimbus, grandes e escuras, criando alguma indiferença às Stratus, baixas e com ar de milfolhas mas que na pior das hipóteses se desfazem numa chuvinha inofensiva.

Esperem, falta o número 4, a hera. Parece que não vem a propósito, mas vem — lembra-nos que as infestantes são muito bonitas, crescem depressa, adaptam-se bem e são suficientemente flexíveis para contornar os obstáculos, metendo inveja às plantas mais delicadas, mas acabam por se tornar numa ameaça incontrolável. As mães-galos-de-Barcelos que não se esqueçam desta lição nos dias mais tempestuosos dos seus filhos queridos e, por favor, por favor, desinstalem todas as aplicações-oráculo, que não servem para coisíssima nenhuma!