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AGO
15
 
 UMA PORTUGUESA NO CENTRO DO MUNDO
Chamava-se Isabel e era filha de D. João I e Filipa de Lencastre. A sua inteligência e clarividência política são o tema do novo romance de Isabel Stilwell.


Aos 21 anos tornou-se jornalista porque era de histórias com pessoas, seus dramas e egoísmos, que alimentava a inteligência. Não temeu a dura “tarimba” de um jornal diário e estreou-se no Diário de Notícias (casa a que voltaria anos mais tarde para dirigir a Notícias Magazine durante 13 anos). Passou pela Marie Claire, fundou a revista Pais & Filhos e dirigiu, até ao final de 2012, o diário Destak. Mãe de três filhos e avó de três netas, naturalmente atenta aos temas da Educação, coapresenta (com o psicólogo clínico Eduardo Sá), na Antena 1, o programa diário Dias do Avesso. Todas estas seriam ótimas razões para entrevistar Isabel Stilwell (que, não por acaso, também é colaboradora da Máxima), mas do que a seguir se fala é de romance e História, já que a jornalista e escritora acaba de publicar, com a chancela da Esfera dos Livros, Ínclita Geração – Isabel de Borgonha. Espera-se um best-seller, a juntar-se aos anteriores romances históricos por ela assinados e dedicados às figuras da Rainha Filipa de Lencastre, Dona Amélia, Catarina de Bragança e Dona Maria II (que vendeu mais de 45 mil exemplares e mereceu uma edição especial para o mercado brasileiro). Move-a, como sempre, a fome de histórias de pessoas, com os seus dramas e egoísmos.


-Este livro surge na sequência daquele que dedicou à mãe da Duquesa de Borgonha, a nossa Rainha Filipa de Lencastre?

Sim, ao fazer a investigação, pude constatar como é injusto que se fale da Ínclita Geração (expressão criada por Camões para falar dos infantes nascidos do casamento entre Dona Filipa e D. João I) sempre no masculino: o herdeiro da Coroa, D. Duarte, D. Pedro, D. Henrique, D. João e D. Fernando. Sempre escrevi sobre mulheres que, no contexto geral da História de Portugal, tinham sido reduzidas a qualquer episódio anedótico: Filipa de Lencastre era conhecida por ter sido mãe de tão nobres infantes, a Dona Amélia pelo momento em que, no regicídio, salvou o filho mais novo com um ramo de flores, com Catarina de Bragança é o episódio do chá que ela terá levado para a corte de Inglaterra. Quanto a Isabel de Borgonha, pude compreender toda a sua importância enquanto fiz a investigação para o livro que dediquei à mãe. Ela desempenhou um papel determinante na História europeia, num momento decisivo: interfere com acerto e soberania em acontecimentos da maior importância como o final da Guerra dos Cem Anos (que opôs a França à Inglaterra) ou a Guerra das Rosas, em Inglaterra.

-E com Portugal, que deixa aos 32 anos, que relação manteve ao longo da vida?

Foi sempre muito atenta e uma mulher muito apegada às raízes: ajudou a financiar os Descobrimentos (ela e o marido, o Duque de Borgonha, favoreceram sempre a presença de comerciantes portugueses na Flandres) e desempenhou sempre um papel ativo na política nacional, correspondendo-se frequentemente com todos os irmãos. Tal não teria acontecido certamente se não tivesse sido o braço direito do pai, desde a morte da mãe, quando ela tinha 18 anos até aos 32, quando partiu para casar com o Duque de Borgonha. Na verdade, podemos dizer que, durante esses 14 anos, ela foi a rainha não coroada de Portugal.

Uma idade elevadíssima para casar no final da Idade Média…

Uma barbaridade. Mas ainda teve três filhos: dois morreram muito pequenos (com poucos meses de intervalo) e um foi Carlos, o Temerário. Aliás, o mesmo tinha acontecido com a mãe dela que casara aos 28 e teve aqueles filhos todos. Isabel é uma personagem muito rica, com muitos aspetos abordáveis, e estou consciente de que acabei por focar mais dois dos seus grandes amores: Portugal e o filho único que lhe restou.

-Embora, como mostra no livro, ela tenha ficado desiludida por se tornar Duquesa (e não Rainha, como esperara toda a vida), acabou por reinar na que era a Corte mais sofisticada da Europa do século XV…

Sem dúvida e foi brilhante nesse papel, perfeitamente à altura do que lhe era exigido. Creio que ela era uma mulher sem grandes ilusões de amor (a fama de mulherengo do Duque Filipe ultrapassava fronteiras e decerto chegara a Lisboa), embora talvez tivesse chegado a pensar que o mudaria como a mãe mudara D. João I.

-Como era Filipe?

Um homem sedutor, volúvel, mas com muita consideração pela opinião das mulheres, até porque fora o único rapaz entre várias irmãs. Na correspondência e nas fontes a que tive acesso, encontrei um estadista que tinha uma noção muito real do poder feminino. Dizia, por exemplo, ser seu dever ser gentil para com as mulheres dos seus nobres, pois delas dependia a vontade deles. Creio que o casal estabelecia uma boa parceria política e Filipe delegava muito na mulher, o que demonstra uma grande inteligência. À medida que nos debruçamos sobre a atuação de Isabel de Borgonha, compreendemos também que ela tem um projeto político para a Europa. Percebe-se isso também pelo modo como ela investe no futuro do filho e em como procura torná-lo Rei ou mesmo Imperador.

-Ela era uma mulher atenta à moda que, nesta época, era ditada à Europa pelas damas e senhores da Borgonha?

Sim, embora como documentam as fontes, ela tenha levado para a Borgonha vários elementos portugueses, aragoneses e castelhanos. Era o caso de uma touca que, nas fontes, surge sempre designada como touca portuguesa. Mais tarde, Isabel ficaria muito agradada ao saber que a Rainha de Inglaterra, então considerada a mulher mais bonita da Europa, se vestia como ela. De facto, olhamos para a iconografia da época e vemos tecidos com cores e texturas faustosas. As próprias joias são deslumbrantes, com o ouro (nomeadamente a ordem honorífica criada por Filipe para honrar a mulher, o Tosão de Ouro) a realçar muito sobre veludos e brocados. Para esta moda contribuem também alguns elementos novos, trazidos à Europa pela primeira vez graças aos Descobrimentos Portugueses: é o caso das tintas para os têxteis que chegavam da Madeira, por exemplo.

-Disse há pouco que ela manteve sempre uma relação muito forte com os irmãos, que estavam em Portugal. Como viveu Isabel a morte do Infante D. Pedro, na batalha de Alfarrobeira, em luta com o sobrinho, o rei Afonso V, e o meio-irmão, D. Afonso de Bragança?


Foi terrível. A ponto de ela compreender que os filhos do Infante D. Pedro, após a morte deste, corriam perigo de vida. Por isso, encarrega-se de os levar para junto de si e de lhes proporcionar um futuro. Na verdade, ela foi sempre uma mulher de poder, mas muito preocupada com os seus. Já sofrera horrores quando, por causa de D. Henrique, o irmão D. Fernando é deixado em Tânger e, na sequência disso, martirizado.

-O Infante D. Henrique não sai muito beneficiado neste retrato.

Era um homem muito contraditório: um génio no modo como planeou a aventura dos Descobrimentos, um extraordinário homem de negócios que nem sempre esteve à altura dos ideais de cavalaria alimentados pelos príncipes da sua época. O Duque de Borgonha estava perfeitamente ciente disso e creio que Isabel também.

-Define a Isabel de Borgonha como uma mulher mais de pena do que de agulhas…

Como a própria mãe, que privilegiava a educação e a cultura dos filhos. Não excluiu a filha dessa educação. Quando chegou a Portugal, Dona Filipa ficou muito chocada porque as mulheres da corte não sabiam ler nem escrever.

-O que a atrai tanto no romance histórico?

Sempre foi uma das minhas leituras de eleição. O meu pai era formado em História e tornava muito vivos os locais históricos por onde passávamos. A minha avó tinha uma casa perto de Montemor-o-Velho, o que nos levava muitas vezes ao castelo e igreja locais. Ali, o meu pai dizia-nos que havia uma arca cheia de ouro e outra cheia de peste. E nós ficávamos ali, loucos de excitação. Para mim, um bom romance histórico tem de ser muito fiel aos factos, a ponto do leitor sentir que está realmente a aprender alguma coisa, mas que encontra sentimentos e emoções nas grandes personalidades da História. Não procuro substituir os historiadores que têm um papel único, mas preencher o que não se conhece com plausibilidades. O que me interessa, como autora, são as emoções e os sentimentos das grandes personagens.