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OUT
11
 
 ISABEL STILWELL: “SÃO QUASE SEMPRE AS MULHERES AS GUARDIÃS DA MEMÓRIA”
Em ‘Filipe I de Portugal – o rei maldito’ (Planeta, 22.90) Isabel Stilwell recria o encontro de duas figuras importantíssimas da história de Portugal, os dois pretendentes ao trono depois da morte de D. Sebastião.

Quem dá o nome ao livro é Filipe I de Portugal mas a verdadeira heroína é Catarina, duquesa de Bragança, neta de D. Manuel e legítima herdeira do trono português. Surpreendeu-te essa mulher?
Supreendeu-me imenso porque eu nem sabia que ela existia. Sobre Filipe há muita informação, muito material, as cartas da filha, com quem ele se correspondia, ele era um verdadeiro burocrata, tudo o que era papéis estava guardado e arquivado. Sobre Catarina havia muito menos, e tive a sorte de uma historiadora, Marta Páscoa, ter encontrado papéis sobre ela e ter-me ajudado na descoberta de Catarina. Ainda encontrei uma tese de mestrado sobre a mãe, mas a aproximação foi muito à volta.


Mas partiste da figura de Filipe…
Foi o meu marido que sugeriu, e eu pensei que ele queria acabar com a minha carreira (risos). Obviamente que para os portugueses em geral os Filipes (sempre vistos em bloco) não são propriamente amados como é uma rainha santa ou uma Inês de Castro. Hesitei mas depois pensei que para nós jornalistas a melhor história é aquela que vai para lá dos preconceitos. Temos muito a ideia de que os Filipes são os três iguais, mas na verdade houve um maior, este Filipe I, e era esse que me interessava. Mas precisava da voz de uma mulher, porque queria trazer a história para Portugal. Filipe vive muitos anos, tem uma história muito comprida e muito aventurosa, mas eu queria contar aquilo que tinha a ver com Portugal.


E aí entra D. Catarina?
Sim, quando comecei a investigar encontrei uma ou outra referência patriótica a uma infanta Catarina, que teria disputado o trono com Filipe, mas muito pouco. Fui lendo outras coisas, incluisve as alegações e o argumentário da legitimidade ao torono, e à medida que lia descobri uma mulher absolutamente incrível.


É a avó do nosso rei D. João IV, foi devido ao facto de ela não ter desisitir do seu direito ao trono que ele depois foi rei…
Claro, e ainda por cima ele conheceu-a muito bem, quando ela morreu tinha 10 anos. Era uma mulher espantosa, que não parava, que estava sempre em congeminações. Ao contrário das mulheres submissas da altura, esta tinha uma garra espantosa.


Pergunta coscuvilheira: achas mesmo que houve ali uma atração entre Filipe e Catarina, como tu contas, ou simplesmente podia ter acontecido e deu-te jeito?
A verdade é que ele a pediu em casamento. Ele tinha a oportunidade de negociar o casamento da filha mais velha, que até podia ter filhos, ao contrário da Catarina. Filipe continuava muito pressionado para ter outro filho varão, mas em vez de o fazer escolheu propor casamento a Catarina, que ela recusou para não perder o direito ao trono. Claro que ele ficou furioso. E a mim deu-me jeito imaginar essa proximidade afetiva. Como dizia a Hilary Mantel, nós temos a vantagem de já conhecer o fim da história. Portanto eu parti dessa proposta de casamento para construir uma atração que não sabemos se existiu mas que pode muito bem ter existido. Até porque a graça de escrever um romance histórico também é preencher as lacunas que não sabemos. Nas cartas à filha, nós sabemos que ele veio a Lisboa secretamente para visitar o Paço da Ribeira. E quem faz secretamente uma coisa, também faz outras (risos).


Outra coisa divertida é a relação de Filipe com as filhas, que adorava, e com a ‘boba’ Madalena…
A Madalena existiu mesmo, aliás figura num retrato da filha mais velha de Filipe, e tinha mesmo aquela relação quase ordinária com o Duque de Alba. E sabemos tudo isto através de cartas extraordinárias que resistiram. Filipe escrevia constantemente às duas filhas mais velhas, e são cartas absolutamente modernas, que revelam uma relação muito próxima, ele inclusive preocupa-se com a menarca, com os períodos, com o facto de deitarem sangue do nariz, é um pai muito próximo e muito preocupado. Ele queimou muitas cartas das filhas, mas felizmente que a filha guardou as do pai. Aliás, são quase sempre as mulheres as guardiãs da memória, das cartas, dos retratos.


Já reparaste que daqui a uns tempos quando quiserem saber de nós, já não vai haver cartas?
Sim, nem cartas nem diários! Estou sempre a dizer aos meus alunos, vocês escrevam cartas porque os mailes e sms desaparecem. Mas acho que é uma batalha perdida.


Que mais te surpreendeu?
Alcácer Quibir, por exemplo. O filho mais velho de D. Catarina, Teodósio (que seria pai do nosso D. João IV) , tinha apenas 10 anos quando acompanhou D. Sebastião a Alcácer Quibir. Poderia muito bem ter sido rei de Portugal, aliás temos a ideia de que D. Sebastião o protegeu.


Porque é que o Filipe é maldito?
É maldito entre aspas… Em Portugal ele tinha sido cancelado (risos) e depois por causa da lenda negra toda à volta dele, a morte dos protestantes, a história da Princesa de Eboli que acabou trancada entre quatro paredes, foi um rei que não teve uma vida fácil. Depois houve uma relação muito ambivalente com o pai, por um lado admira-o mas por outro o pai era altamente controlador. Mas mesmo naquela situação de poder, ele tinha muitas afeições, pela irmã, por exemplo, porque mesmo estando separados durante muitos anos trocavam cartas durante muitos anos. A história de Portugal está cheia de personagens absolutamente fascinantes.


Podíamos não ter sido espanhóis?
Podíamos. D. Sebastião tinha nomeado como sucessor um irmão de D. Catarina, que acabou por morrer, e foi para Alcácer Quibir sem nomear ninguém. Sebastião era muito próximo de Catarina, eram primos. Como era mulher provavelmente não a teria nomeado, mas podia perfeitamente ter nomeado o filho, Teodósio, que o acompanhou na guerra e que el provavelmente protegeu. Mas se o Cardeal D. Henrique tivesse tomado uma decisão a favor de Catarina ou Teodósio, Filipe não teria avançado. Assim, o próprio Teodósio aceitou e serviu D. Filipe até ao fim com muita lealdade. Curiosamente, foi pai do nosso D. João IV.