CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 A NOVA CENSURA DAS REDES SOCIAIS
Publicado em: 17/10/2015
Cavaco Silva, Rodrigues dos Santos e Pe. Portocarrero Almada. Tinha tanto a dizer, mas não digo. O efeito das redes sociais na liberdade de expressão.

Primeiro pensei em escrever sobre a forma mal educada, para não dizer mesmo ordinária, como se fala do Presidente da República. Goste-se ou não se goste, o senhor é chefe de Estado. E ao achincalhar Cavaco Silva, menoriza-se a instituição. E as instituições são pilares da democracia e coisa e tal. E além disso, se os filhos ouvem falar assim do PR, depois respondem naquele tom aos próprios pais e mandam os professores aquela parte.

Pensei, mas caí no erro de falar nisso ao jantar. O grito de protesto foi total. “A mãe quer ser, mais uma vez, insultada nas redes sociais?”, “Deixe lá que há de haver outra pessoa a dizer isso, divida lá o mal pelas aldeias!” De facto.
Depois pensei em escrever sobre a polémica em redor do “eleito/eleita”, e a acusação de homofobia a Rodrigues dos Santos. Por muito que oiça e torne a ouvir contar a história, e veja o vídeo, não me parece minimamente verosímil que Rodrigues dos Santos fosse propositadamente fazer um trocadilho daqueles, em jeito de piadola. Gosto e admiro Alexandre Quintanilha, mil milhões de vezes mais do que de Rodrigues dos Santos, que nem sequer conheço, mas esse facto não me leva a achar nem razoável a acusação, nem justificável o discurso de insulto e ódio que correu estas semanas as páginas de facebooks e blogues.

Pensei, mas caí na asneira de falar nisso num almoço de amigos, que olharam para mim estupefatos. “O quê, depois de falsificarem um texto homofóbico absolutamente nojento em teu nome e de o terem espalhado pela internet, provocando o mar de reações que provocou, vais-te meter nisso?”, perguntou um. E o outro, sacudiu a cabeça, desesperado: “Não acredito que te tenhas esquecido daquela malta, um a desejar-te cancro e outro a dizer que te ia dar uma sova numa noite escura?” O meu sorriso amarelou. Sim, de facto. Ainda aparece por ai alguém a dizer que sou contra os homossexuais, que acho que não se devem candidatar, completamente indiferentes ao facto de ter entrevistado tantas vezes o Prof. Quintanilha, e de nunca ter escondido a minha admiração por ele. Cala-te, Isabel.

Foi então que li a crónica que o Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada escreveu no “Observador”, com o título “Os lesados do GES”, dedicada a protestar contra aqueles que pedem ao Papa que “despenalize” os recasados. Atravessei os primeiros parágrafos abismada com os seus argumentos, que agradariam muito a Ricardo Salgado: se investiram num casamento e depois a coisa correu mal, não é certamente o “Espírito Santo” que tem a culpa, e mais faltava que viessem agora queixar-se de alguma coisa. Até porque, segundo o Pe. Portocarrero, nos casamentos há sempre um culpado e uma vítima, e compete à Igreja defender as vítimas. Sendo assim, a proposta não é apenas de que não haja cá sacramentos para culpados, mas que não se aceite o divórcio, em nome das crianças. E para reforçar a sua tese, cita um estudo de Elisabeth Marquard, que afirma que “a ruptura conjugal, mesmo quando acordada pacificamente pelo casal, é sempre pior, para os filhos do que a continuação de um casamento não inteiramente satisfatório, mas sem graves conflitos.” Porque os filhos, mesmo de um “bom divórcio”, sofrem de insucesso escolar, uma maior tendência para a delinquência, vários problemas de saúde, isolamento, solidão, etc.

Declarei que este tema é que não podia passar! Pensei, é preciso dizer que há estudos para todos os gostos, e contrapor com dezenas de outros que afirmam o contrário. Explicar que as pessoas não acabam casamentos porque há um que não põe a tampa na pasta de dentes, desmentir que não há diferença entre bons e maus divórcios, e, já agora, que um bom cristão não aceita generalizações como estas “aplicadas” às crianças (as tais que o Pe. Portocarrero diz defender). Mas, desta vez, não precisei que ninguém me dissuadisse. Fui eu própria que disse a mim própria: “Para que é que vais comprar uma guerra com fundamentalistas, que te vão encher a página de acusações de que és uma Jezebel, uma mulher perdida?”

Decididamente, este novo mundo virtual em que se difama e insulta, a coberto do anonimato e fora da lei, atenta contra a liberdade de expressão. E não fica assim tão longe do lápis azul.