CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 "YOU WANT TO BE ESMIGALHATED IN SINTRA?"
Publicado em: 02/08/2014
Quem gere a forma como o trânsito é (des)organizado no centro histórico da vila de Sintra atenta contra o PIB, matando as galinhas dos ovos de ouro
Os turistas encostam-se à parede e com o corpo protegem os filhos pequenos, as mães não sabem o que fazer aos carrinhos de bebé porque não há passeios, e aquilo que em tempos foi uma berma agora é uma vala funda à conta de sucessivas camadas de macadame com que a estrada tem sido coberta. Os namorados que compraram um bilhete para uma lua-de-mel na capital do romantismo não têm outro remédio senão largar as mãos e seguir em fila indiana, ao som dos gritos assustados do grupo que dispersa ao ver avançar em sua direcção um autocarro, fazendo lembrar a montanha-russa na Feira Popular. Ou, caso o caminho esteja desimpedido, um automóvel em excesso de velocidade.

E todos engolem o fumo dos escapes, respiram embraiagem queimada e correm o perigo, absolutamente real, de ser atropelados ou esmigalhados contra um muro.

Quanto aos que chegam de automóvel ou de camioneta estão mais protegidos, mas igualmente condenados a uma seca sem fim. Os que vêm via S. Pedro, seguindo as setas que indicam centro histórico, passam muitas vezes horas numa fila interminável. Pior, suportam-na convencidos de que chegados à vila vão encontrar um lugar de estacionamento - senão que sentido tinham as indicações e a longa espera? -, sem saber que os aguarda a desagradável tomada de consciência de que não há onde estacionar. Obviamente, o desespero alimenta a ausência de civismo, e não é raro que acabem por abandonar o veículo no sítio mais absurdo, por muitas fitas que a GNR lá tenha colocado, provocando um engarrafamento que pode levar horas até que o reboque venha salvar a situação (se conseguir passar).

Mas mesmo que consigam superar estes primeiros obstáculos esperam- -nos mais provas, como quando seguem pela estrada velha que leva a Colares. Se nalguns locais a passagem de dois carros em simultâneo já é difícil, quando se tem pela frente uma autocaravana, mais larga que a própria estrada, é de certeza de uma tarde estragada. E como se não chegasse somaram-lhe agora a "novidade" de um circuito turístico regular de um autocarro de dois andares, transplantado da Avenida da Liberdade para um caminho bucólico no meio de uma serra.

Por outras palavras, bem-vindo à vila de Sintra nos meses de Verão, ou na Páscoa, Património da Humanidade, local de visita de quase 4 milhões de turistas, 90% estrangeiros, contribuintes para o PIB que mereciam mais respeito.

E o mais revoltante é que, por incapacidade total da Câmara Municipal de organizar o trânsito no centro histórico, desta vereação e das que a antecederam, fica em jogo o esforço extraordinário da Parques de Sintra, que tem sido capaz de preservar e melhorar os monumentos e espaços públicos, como provam os quase 2 milhões de visitas, um acréscimo de 30% só no último ano. Em 2013, por exemplo, o parque e o Palácio da Pena foram o local mais visitado entre todos os palácios, museus e monumentos do país, com o Palácio da Vila a ocupar o quarto lugar.

Para quem, como eu, aqui vive fica claro que não é a mesma coisa lidar com 597 mil visitantes, em 2005, e 4 milhões agora, mas é incompreensível que apesar de todos os protestos e apelos a situação continue igual, envergonhando-nos cada vez que nos cruzamos com quem nos visita. Resolver o problema do trânsito de Sintra, conciliando as necessidades de comerciantes, moradores e turistas não é certamente fácil, mas a passividade com que as autoridades por um lado gritam que o turismo é a nossa salvação e por outro esmigalham a galinha dos ovos de ouro contra um muro, é assustadora.