CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 A MISSÃO IMPOSSÍVEL DE FAZER TODA A GENTE FELIZ
Publicado em: 11/04/2024
Que seca são as pessoas que querem que toda a gente à sua volta esteja feliz. Ao mesmo tempo, claro. E não o fazem apenas pelos outros, mas sobretudo por si próprias, porque por algum mecanismo cerebral defeituoso só assim conseguem estar bem. Quer dizer, imaginam que só assim serão felizes, já que na realidade como o seu objetivo é inatingível, nunca o vão saber. Que seca são pessoas como eu!

Quando vão jantar fora com um grupo de amigos, estão numa ansiedade constante porque o A parece mais murcho, a C está alheada do que se está a passar e o M fala de mais e impede os outros de conversarem. Estas secas de pessoas estão completamente convencidas de que lhes cabe resolver todos esses problemas ali e agora. E imaginam-se moderadores, terapeutas e o que mais seja, saltitando de uns para os outros na esperança de que no final da noite estejam de sorriso de orelha a orelha. Pior, não lhes basta 90% de sucesso na sua operação de felicidade, só ficam contentes com 98%, reservando sempre 2% para se auto-flagelarem.

Quando estão com os filhos, pequenos ou grandes, tanto faz, sonham-nos alegres e bem-dispostos, otimistas e contentes com a vida. Pronto, aceitam que estejam deitados no sofá, no quarto, calados, entretidos a fazer torres de legos, a ler um livro ou a fazer um tik-tok, mas têm de os sentir bem. A todos. E a todos em simultâneo. Basta haver um que chora pelos cantos ou protesta zangado e insatisfeito, para que fique tudo estragado. Rondam-nos como um cão pastor, farejando-lhe os sentimentos, atentos aos seus problemas, que querem solucionar instantaneamente. Desfazem-se perante o amuo, aquela nuvem que cobre um dos seus entes-queridos, impedindo-os de perceber o que o provocou, o que está em causa, e sobretudo como dissipá-lo.

Adoram confidências, e que os outros partilham com eles os seus problemas, mas causa-lhes uma enorme inquietação quando não os conseguem resolver. Por regra, depois de escutarem o enunciado, desbobinam conselhos, palpites, e viram o mundo ao contrário para encontrar soluções. O conceito de que o confidente queria apenas ser escutado, não lhe entra na cabeça. E que não esteja disposto a acatar nenhuma das suas sugestões, fere-o de morte. Não (só) pela sensação de que perdeu tempo com uma causa inútil, mas acima de tudo porque lhe custa aguentar que o problema se perpetue quando, na sua cabeça, poderia ser eficazmente resolvido.

São os maiores consumidores de pensos rápidos, já que se os deixassem colavam-nos em cima de todas as feridas, fazendo ouvidos moucos ao sábio preceito de que a maioria delas saram melhor ao ar. E com o tempo — como abominam o conceito de que é necessário esperar para cicatrizar seja o que for.

Dormem mal, porque trazem para os seus sonhos os problemas dos outros que ficaram por resolver. Passam uma noite a fazer uma sopa imaginária para os netos a quem falta, têm a certezinha absoluta, mais verduras na dieta, quando na realidade nem se quer sabem por uma panela ao lume; sonham que estão a vender joias, que não têm, na esperança onírica de comprar uma casa para o amigo do filho que quer viver com a namorada, mas não tem dinheiro, ou a programar um campo de férias junto ao mar para uma neta que odeia praia.

São daqueles que dedicam as doze passas na passagem de ano com desejos de homens e mulheres perfeitos para emparelhar com os seus amigos que estão sozinhos (provavelmente por vontade própria), e de bebés rosados e queridos para os casais de quem gosta, embora nunca lhe tenham dado a menor indicação de os desejarem ter.

Voltando ao princípio — são uma seca. Para si e para os outros. Como se trata? Fiz um google, e nem o google soube mais do que enumerar uma lista infindável de nomes de terapeutas e consultórios. Pois, isto só vai lá com muito divã.