CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 HÁ MUITA GENTE QUE PREFERE SOBRESSAIR A SER FELIZ — SÃO OS VICIADOS NO ÊXITO
Publicado em: 06/03/2024
Especial ou Feliz? Quando vi este dilema condensado no título de um artigo de Arthur C. Brooks, dei um salto na cadeira. Para mim sempre foram sinónimo, ou seja, mantive a expetativa de que se conseguisse ser especial seria, necessariamente, feliz.

Mas o professor de Gestão da Harvard Business School estudou o assunto a fundo e garante que há muita, mas mesmo muita gente que prefere sobressair a ser feliz — são os viciados no êxito.

Viciados? A palavra tem uma conotação negativa, mas o investigador não tem a menor dúvida de que o mecanismo subjacente a quem procura incansavelmente o sucesso é idêntico ao de uma dependência alcoólica ou de outra droga. Neste caso, o elogio estimula a produção de dopamina, um dos químicos do cérebro implicados nos comportamentos aditivos, criando uma dependência. O adicto precisa de elogios — na forma de likes, de louvores, de notoriedade —, e faz de tudo para conseguir repetir os surtos de bem-estar que se lhes seguem.

O professor insiste: "Também se assemelha a uma dependência pelo efeito que produz nas relações com os outros. As pessoas passam a sacrificar-se pelo seu ‘verdadeiro amor’, que neste caso é o êxito". Soa mais familiar quando recordamos a acusação que, se calhar, até já ouvimos: "Parece que estás casada com o emprego!". Ou quando vemos a reação zangada de um workaholic, quando o avisamos de que põe em risco a saúde e, já agora, o casamento e a família.

Brooks não se põe de fora desta história. O título nasceu precisamente de uma confissão que fez a um amigo: "Prefiro ser especial a ser feliz". Recorda que justificou a afirmação com a confidência de que, na verdade, considerava a felicidade um objetivo banal, ao alcance de qualquer um, enquanto o êxito, o sucesso, era outra conversa. Um estatuto reservado a uns poucos. Hoje o investigador descobriu que é esse desejo de ser único que funciona como gatilho da dependência.

Esperem, é claro que o investigador sabe perfeitamente que não há ninguém que não se queira destacar, dar nas vistas, pelo menos uma vez de vez em quando. Sentimo-nos mais atraentes quando brilhamos, e somos atraídos pelas pessoas que têm a arte de acender os holofotes sobre si mesmas, mas o problema é que se trata de um fenómeno efémero. Ou seja, dá direito a overdose de tal forma, que o motivo que nos leva a apaixonarmo-nos por alguém que enche um palco, pode ser o mesmo que nos faz fugir dela a sete pés.

Mas a verdadeira tragédia é para os próprios porque, por muito que façam por isso, nunca sentem o êxito obtido como suficiente. Afirmam a torto e a direito que dali a seis meses, um ano, cinco ou dez, vão finalmente poder deixar a ribalta e gozar o que conquistaram, mas esse dia nunca chega, já que o "high" da vitória é cada vez mais curto. A satisfação desaparece quase imediatamente e, para não entrar em ressaca, é obrigado a voltar à passadeira para correr até ao próximo prémio.

Ah, pois, isto é tudo muito bonito, mas como é que alguém se desintoxica de um comportamento que é socialmente tão valorizado, que toda a gente louva e até inveja?

O professor Brooks não é otimista. Sejam atletas, políticos ou administradores de empresas, ou outra coisa qualquer, deixar a alta competição é tudo menos fácil e, quando a transição é involuntária ou mal conseguida, estes adictos mergulham muitas vezes na depressão. Ou deprimem os outros, à custa das suas histórias intermináveis sobre os seus sucessos passados, ou graças ao amargo e constante lamento de que nos "bons velhos tempos" é que era.

Mas eu tenho uma sugestão: aos primeiros sintomas, devem procurar descobrir a ferida subjacente a esta necessidade desesperada de reconhecimento externo. Deitando-se no divã, se for caso disso. É impossível reescrever a nossa infância — o tempo em que num cenário ideal teríamos sido o "melhor do mundo para alguém" —, mas compreendê-la e aceitá-la, tomando consciência daquilo que buscamos em cada aplauso, pode ser meio caminho andado para que se torne apenas numa cicatriz. Que já não dói.