CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 THE GRANDMOTHER
Publicado em: 14/02/2024
Já toda a gente especulou sobre a essência da questão trazida a público pela Mariana: a aplicação da chamada “Lei Cristas” que veio pôr fim ao eterno congelamento das rendas, permitindo a atualização dos contratos dentro de determinadas regras.


Ficaremos a dever a Mariana Mortágua o enorme mérito de ter trazido para a ribalta da discussão política a problemática da terceira idade e dos avós em particular.
Embora toda a gente saiba que os maiores de 65 anos já representam a faixa etária de maior peso na população, o que é facto é que estão muito pouco presentes nos programas e nas prioridades dos políticos. Tendo em conta que são uma faixa importante dos eleitores, com a vantagem de se darem ao trabalho de votar, lá vão sendo chamados para um “vox-pop” quando é hora de falar na demagógica questão do aumento das pensões, mas quanto ao resto são chutados para canto, sem chatearem em demasia.

Pois o que é facto é que a avó da Mariana, ao ser referida num debate da campanha (ou pré-campanha, que ninguém já sabe distinguir) passou a ser o centro das atenções dos comentadores e das redes sociais.
Já toda a gente especulou sobre a essência da questão trazida a público pela Mariana: a aplicação da chamada “Lei Cristas” que veio pôr fim ao eterno congelamento das rendas, permitindo a atualização dos contratos dentro de determinadas regras. A discussão tem vindo a tornar-se mais acesa na medida em que nem a Mariana, nem o Bloco de Esquerda, nem a própria avó revelam se a dita tinha ou não mais de 65 anos à data (o que a colocaria fora de qualquer atualização), se sabia ou não ler a carta do senhorio, se havia alguma razão para que uma das netas (com cursos superiores) se tivesse recusado a ajudar a senhora a responder-lhe e, a bem dizer, nem sequer se a carta chegou a existir!

Mais tarde, num outro debate, a mesma Mariana, continuando sem explicar os detalhes da situação, veio enfatizar que o importante não era o teor da missiva, mas a ansiedade provocada pela eventualidade de a vir a receber.
E isto coloca o problema em todo um outro nível, constituindo, para além do mais, um ternurento exemplo de amor filial (parece não existir nenhum termo específico para definir o amor entre netos e avós).
Também não ajuda à nossa reflexão desconhecer se a avó em causa é a materna ou a paterna. Caso se trate da mãe do pai da Mariana, o empresário agrícola Camilo Mortágua, antigo militante do DRIL (Direção Revolucionária Ibérica de Libertação) e da LUAR (Liga de Unidade e Ação Revolucionária), temos razões de sobra para perceber a preocupação com a saúde emocional da avó. Ao longo da vida a senhora foi sucessivamente confrontada com notícias da participação do filho em assaltos, raptos, ocupações, e por aí adiante. Naquele tempo é de pressupor que muitas das notícias referentes ao filho lhe chegassem por carta e, assim sendo, compreende-se que só o avistar do carteiro lhe provoque crises de pânico. Naturalmente que qualquer carta tinha como consequência imediata um aumento exponencial da tensão arterial e um sério risco de complicações cardíacas.

Ou seja, a raiva da Mariana não resulta de ter sido cancelada a lei do Dr. Oliveira Salazar que congelou as rendas em Lisboa durante décadas a fio, sendo responsável pela destruição do mercado de arrendamento e pela degradação dos prédios, mas pelo ataque violento à saúde da avó. Isto é verdadeiramente comovente e não pode deixar de me tocar na condição de avó, ainda por cima, também com netas gémeas, solidarizando-me desde já com a avó Mortágua — que diabo, o lobo mau do senhorio não podia ter ido lanchar com a avozinha, em lugar de a atormentar pelo correio?
Seguramente por coincidência o ponto 8.1.4. do programa do Bloco de Esquerda é, e cito, “Eliminar a Lei Cristas: uma nova lei do arrendamento“. Decididamente, a história do Capuchinho Vermelho vinha mesmo a calhar!