CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 O MINISTÉRIO PÚBLICO ÀS URNAS
Publicado em: 31/01/2024
Vamos ter a inteligência de colocar na corrida aqueles que realmente detêm o poder em Portugal: os agentes do Ministério Público. Assim sempre podíamos selecionar entre os menos justiceiros, que certamente também os há.


Por favor, tirem-me do palco estes candidatos a governantes que nunca vão mandar nada, nem fazer coisa nenhuma— até porque se fizerem, haverá sempre alguém a boicotar-lhes o caminho com uma denúncia anónima que dará direito a serem apeados do lugar e imolados na praça pública. Em vez disso, vamos ter a inteligência de colocar na corrida aqueles que realmente detém o poder em Portugal: os agentes do Ministério Público. Assim sempre podíamos selecionar entre os menos justiceiros, que certamente também os há.

À partida, a tentação seria colocar o Procurador/a Geral como cabeça de lista, partindo do princípio de que ao cargo corresponde algum poder efetivo, só que não é verdade. Sendo assim, é preferível que cada candidato se apresente individualmente a votos, permitindo-nos analisar quantas das “operações” que constam do seu CV tiveram direito a abrir noticiários ou a primeiras páginas dos jornais.

Logo para começar, a campanha eleitoral de um procurador inspirado, aliado a um agente da PJ que viu muitos filmes, teria um efeito galvanizador nos eleitores, a avaliar pela criatividade dos títulos das operações, permitindo assim poupar em agências de comunicação e marketing. Ao lado dos seus outdoors, os de Montenegro, de Pedro Nuno Santos, e mesmo de Ventura e Mortágua pareceriam obra de meninos da escola. Por amor da santa, basta ver a diferença entre um insípido “Portugal Inteiro” e uma “Operação Tempestade Perfeita”.

Além do mais são mouros de trabalho, como atestam as rusgas de madrugada e o acompanhamento dos interrogatórios pela noite fora, e demonstram uma paciência sem limite para escutar os outros, arte de valor incalculável tendo em conta as sessões e audiências parlamentares que vão ter de gramar. Por exemplo, aquele que assumisse ter aturado quatro anos de tertúlias telefónicas de João Galamba merecia, no mínimo, chegar a deputado.

Quanto ao programa de governo, para que é que andamos a queimar as pestanas a ler o dos partidos políticos convencionais, se conhecemos de trás para a frente o destes candidatos, com tantas provas dadas?

No campo da Justiça, uma das chagas deste país, garantiriam a celeridade processual: sabendo que os procedimentos legais se arrastam por eternidades e nunca mais chegam a lado nenhum, instituiriam imediatamente os editais do Far-West. A partir do momento em que a cara do suspeito é reproduzida mil vezes nos jornais e milhões de outras nas redes sociais, é absolutamente irrelevante o que os seus colegas juízes disserem ou deixarem de dizer.

Quanto ao combate à corrupção e ao tráfico de influências, o seu método está à vista. Conscientes do emaranhado kafkiano da burocracia e da ineficiência dos serviços públicos, percebem logo que a construção de uma casa, a obtenção de um licenciamento, ou o sucesso no mundo empresarial só podem ser sinal inequívoco de que alguma irregularidade foi praticada, já que dão como segura a impossibilidade de lá chegar de forma totalmente lícita.

Podemos também confiar que serão uma fonte inesgotável de emprego, perpetuando a tradição de fazer crescer o aparelho de Estado. Um simples cortar de fitas nas Desertas contará sempre com paletes de gente enfiadas em aviões fretados. E que serão solidários com os problemas de sobrevivência da comunicação social, oferecendo, com a antecipação necessária, entretenimento para muitas horas de noticiários.

Só vantagens, portanto. Fica-me apenas uma dúvida, não sei como vão contornar o paradoxo da sua própria eleição. A sua profunda convicção de que quem quer que seja que tenha êxito, só ali pode ter chegado por ter roubado ou cometido um crime, levará a que se tenham de mandar prender a si próprios.