CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 PORQUE NOS CUSTA TANTO PEDIR AJUDA
Publicado em: 25/01/2024
Custa pedir ajuda. Mesmo aos mais próximos, mesmo quando bem precisávamos dela, seja física ou psicologicamente. Porque não queremos "pesar", porque antecipamos, mesmo sem termos feito a experiência, que nos provocaria um desconforto que não compensaria o esforço. Talvez, arrisco, porque nos queremos armar em heróis.

Ao ponto de endeusarmos a autoajuda, para benefício de toda a gente que anda por aí a vender manuais de como, um dia, nos podemos bastar a nós próprios. A doença é tal que tememos mais a dependência, do que a própria morte. Envelhecer, e precisar de alguém para nos calçar as meias, levantar-nos de uma cadeira, e tudo o resto em que nem queremos pensar, tem um sabor a derrota e a humilhação final.

CONTRADIÇÃO:

Todos já experimentámos a alegria e a satisfação de contribuir de alguma forma para a felicidade de outra pessoa. Conhecemos bem as borboletas que nos voam na barriga quando ajudamos uma velhinha a atravessar a rua, somos capazes de ir em socorro de uma mãe que procura sair do metro, com um bebé, um carrinho e um saco das compras, de todas as vezes em que visitámos uma tia e percebemos como ficou contente pela nossa companhia, sempre que nos voluntariamos para trabalhar por uma causa e nos transformamos em parte da solução. Mas, se é assim, porque é que não conseguimos pedir, e aceitar, a ajuda dos outros?

CAUSAS:

1. Foram anos dedicados a conquistar autonomia, a ambicionar não pedir autorização para nada, uma adolescência inteira a provar que conseguíamos chegar lá sozinhos e, desde aí, a exibir a nossa independência. Tirámos a carta, superámos o medo de viajar sozinhos, de dormir em casa sem companhia, escolhemos uma profissão, um emprego, um marido. E, quando chegaram os filhos, intensificou-se ainda mais o nosso sentido de responsabilidade — cabe-nos velar por eles, vesti-los e alimentá-los, dar-lhes apoio e conforto, pedindo pouco ou nada em troca, porque Deus nos livre de sermos daqueles pais que apresentam a conta dos serviços prestados. Permitimos até que o pêndulo oscile excessivamente para o outro lado, infantilizando-os, mas no fundo somos recompensados pelo sabor da omnipotência — afinal, não passam sem nós.

2. Pomos demasiado enfoque no individuo, em lugar de no coletivo. Por exemplo, repetimos da boca para fora que para criar uma criança é precisa uma aldeia, mas, na prática, quantas vezes não nos vangloriamos de, só com uma mão, gerirmos filhos, casa e profissão? Elogiamos o trabalho em equipa, mas depois custa-nos dividir o prémio — na carreira, na família, entre os amigos, procuramos o lugar no pódio.

SINTOMAS:

Exaustão, solidão, depressão, ansiedade, são só alguns dos sinais desta epidemia.

DIAGNÓSTICO:

Observar a doença pelo avesso, percebendo que, muitas vezes, a relutância em pedir ajuda:

- Não é mais do que orgulho. Uma forma de mostrar que somos mais fortes do que os outros, que conseguimos lidar com a dor, o luto, a tristeza, os contratempos da vida, sem bengalas. Não somos desses que se vão abaixo. Não somos a mãe, o amigo, o vizinho que sobrecarrega os demais. Ou seja, precisamos da coragem para nos olharmos ao espelho e aceitarmos o que lá está: uma vaidade mascarada.
- É sentida pelos outros como um "chega-para-lá". Porque dar-lhes a oportunidade de nos ajudar é oferecer-lhes a oportunidade de se sentirem úteis, importantes, confiáveis, amados. É dizer-lhes que precisamos deles, que acreditamos que aquilo que têm para nos oferecer vai enriquecer-nos, tornar o nosso sofrimento mais leve, contribuir para recuperarmos, para sermos melhores pessoas — todos aquelas emoções que nos fazem sentir especiais sempre que somos nós a ajudar.
- Pode ser interpretada — ou ser mesmo! — uma forma de mantermos o Deve e Haver sempre a nosso favor. Fugindo à gratidão. Como se estarmos gratos, nos colocasse numa posição de fragilidade, quando é precisamente o contrário.

Feito o diagnóstico, resta propor o tratamento: neste (ainda) início de 2024, faça um favor a si mesmo e aos outros, e não hesite em pedir ajuda.