CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 UM GOVERNO ADOLESCENTE
Publicado em: 18/10/2023
Nestes dias em que muitas cabeças ilustres se desgastam no debate dos números do orçamento do Estado, vêm sempre ao de cima vozes de indignação pela inconstância das regras fiscais e de outras normas que, na opinião dos reclamantes, não permite nem às pessoas, nem às empresas, planearem a sua vida, os seus negócios e as suas poupanças com um mínimo de estabilidade, já que as linhas com que nos cosem mudam ao sabor do vento.

Ora esta acusação é da mais profunda injustiça e uma calúnia inadmissível. Na verdade, se há coisa em Portugal que é persistente, constante e regular é precisamente a da mudança permanente das normas. É muito difícil, se não impossível, encontrar dois anos seguidos em que as taxas não mudem, as despesas que dão direito a abatimentos se mantenham, em que aquilo que as empresas podem ou não fazer para diminuir a sua conta fiscal fique na mesma. Ou seja, é sempre grande a animação que empresários e outros agentes experimentam de cada vez que lhes cai no prato o menu de bicadas que anualmente os diligentes funcionários das finanças cozinharam para lhes lixar o negócio.

Sabendo disso, os mais ajuizados não decidem rigorosamente nada que tenha implicações para além do ano. Os outros palermas sofrem ataques cardíacos porque foram na cantiga de promessas do passado e descobrem que afinal tudo mudou de direção. São ingénuos, também, aqueles que julgam que as normas e medidas aplicadas serão alguma vez avaliadas. Só um louco se daria ao trabalho de avaliar seja o que for sabendo à partida que ninguém engole um resultado que não coincida com a sua opinião prévia! Veja-se o caso do famigerado aeroporto, em que há sempre algum grupelho que insinua que os múltiplos “estudos” foram feitos em cima do joelho e para fazer o jeito a corruptores.

E é assim que alegremente se deitam para o lixo medidas sem que ninguém saiba ao certo se eram boas ou más. Por exemplo, até agora era fantástico convencer velhinhos ingleses e de outros cinzentos países a virem para ao pé da gente, recusando maliciosas ofertas de espanhóis, italianos e gregos que, com desplante, lhes oferecem taxas irrisórias para os receber. Pois agora é para acabar com essas mordomias, já que afinal não estamos interessados em que gastem por cá as economias. E se havia quem andasse a planear tudo isto há uns anitos, paciência, quem os mandou confiar?

Pensando bem, não estou a ser justa. Não é verdade que não avaliemos as decisões. O que temos é um método mais simples e prático de o fazer: se foram nossas, são brilhantes; se forem dos outros, não prestam. E nem sequer tem a ver com partidos. Veja-se a ideia do TGV para Madrid, saída de um governo do malfadado Eng. Sócrates, o que chegou para que os próximos a pusessem no lixo, optando antes por torrar uns milhares de milhões numa linha que só serve para levar mercadorias e, ainda assim, devagarinho porque só tem uma via — mas, pronto, sempre impede os comboios espanhóis de concorrerem com a nossa eficiente CP.

É claro que, por vezes, uma má decisão dos outros torna-se por magia numa boa decisão, como é o caso da privatização da TAP, mas para isso há sempre a explicação de que mudaram as circunstâncias

Decididamente quem tem filhos em casa não estranha a impossibilidade congénita de planeamento e de ausência de lógica nas decisões. Experimente perguntar a uma criatura de 17 anos se quer ir na sexta-feira ao shopping. Só evita a resposta do “não sei” à custa de muita chantagem, arrancando então um “em princípio sim”, que não garante que o plano não vá por água abaixo se, entretanto, algum amigo telefonar a insinuar que poderá (nada é certo...) ir beber um café por aqueles lados.

Transpor essa vitalidade enternecedora da juventude para o nosso governo, pondo-nos todos a apanhar bonés por não serem capazes de definir um rumo e respeitá-lo, causa-nos o mesmo efeito que os adolescentes: cabelos brancos!