CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 OS VÍRUS ROUBAM A CARREIRA ÀS MÃES
Publicado em: 29/09/2023
É uma fantasia dizer que as mães de filhos pequenos têm as mesmas oportunidades profissionais do que os pais, já não para falar nos homens e nas mulheres que não têm crianças. Esqueçam! E não lhes atirem poeira para os olhos — sobretudo no outono e no inverno, os vírus unem-se para as lixar, desculpem o termo, mas não encontro outro mais apropriado.

Nos primeiros meses de um bebé, melhor dito, nos primeiros anos, as crianças apanham tudo e mais alguma coisa, mas a inevitabilidade de colocar um filho numa creche ou jardim de infância equivale a investir na bolsa de Wall Street, sem fazer ideia do que é o Dow Jones, ou apostar na lotaria, seguro de que o prémio vai pagar a prestação da casa. O jackpot pode até sair a algumas crianças, mas a grande maioria vai contrair uma doença a seguir à outra, obrigando os pais a encontrar uma solução de guarda alternativa. Não uma, nem duas vezes, mas muitas – segundo a Academia de Pediatria Americana serão 10 a 12 infeções respiratórias por ano, com a probabilidade de durarem até dez dias cada uma.

Os avós estão na primeira linha de socorro, partindo do princípio que vivem perto, mas à medida que os netos chegam cada vez mais tarde, também eles são mais velhos e com menos saúde para desempenhar este papel.

E se não puderem, quem falta? Quase invariavelmente, a mãe. É claro que há cada vez mais pais a chegarem-se à frente, mas não preciso de ir buscar as estatísticas para demonstrar que ainda são exceções. Não por má vontade, mas por um mecanismo muito mais subtil, resultado de mil outras pequenas decisões que se foram tomando pelo caminho e que levam a que o pai, por esta altura do campeonato, já ganhe mais, pagando uma percentagem maior das contas ao fim do mês, e provavelmente desempenhando um cargo de "maior responsabilidade" – ou seja, quando é preciso escolher entre os dois, parece absolutamente lógico que seja a mãe a ficar. É natural que ela pareça não se importar, tendo optado por centrar a sua vida nos filhos, moldando a sua vida profissional a essa circunstância, e desistindo de ter uma carreira. Mesmo que se importe, a probabilidade é alta de que o empregador acabe por favorecer quem não tem estes impedimentos constantes.

O resultado prático está à vista quando se compara a discrepância de ordenados entre homens e mulheres: aquelas que têm filhos, apesar de mais e melhores habilitações, optaram por empresas e lugares que lhes permitiam uma maior flexibilidade de horários. E, enquanto os homens fazem horas extraordinárias remuneradas, elas fazem horas extraordinárias ao serviço da família, pelas quais não recebem nada.

Conscientes disto, ou mais ou menos conscientes, porque, na realidade, só quando vivemos na pele as situações as compreendemos integralmente, as mulheres adiam a maternidade para um momento em que se sintam mais seguras, profissional e economicamente. O que poderia ser uma ótima solução, nomeadamente para o bebé que não ficaria tantas vezes doente, só que infelizmente essa é outra armadilha: ponto um, a fertilidade não perdoa, ponto dois, os lugares de topo na empresa "abrem" exatamente quando os seus filhos ainda são muito pequenos e a conciliação é difícil e, por fim, o relógio biológico dos avós também continuou a avançar.

Soluções? Sei que parece contraintuitivo, mas é o que já acontece nos países nórdicos: criarmos condições para que os casais tenham filhos mais cedo, ficando mais depressa livres para investirem na carreira; licenças parentais mais longas e obrigatoriamente partilhadas, com o ganho económico que representam crianças menos vezes doentes, e pais menos ausentes do emprego. E, por fim, incentivos a que, por exemplo, os avós se possam reformar mais cedo, a doença de um neto seja uma justificação válida para faltar ao trabalho e benefícios fiscais (a Austrália tem). A única coisa de que tenho a certeza é que não se enganavam os que diziam que para criar uma criança é preciso uma aldeia. As mães e os bebés agradeciam.