CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 “YOU WANT TO BE ESMIGALHATED IN SINTRA?” (IV)
Publicado em: 23/08/2023
É a quarta vez, desde 2014, que faço esta pergunta publicamente. Tragicamente, desta vez, a resposta é “sim”. Aconteceu na minha rua.


Temos de começar pelo princípio. O Esmigalhated I, foi publicado em 2014, quando sugeri que se tornasse no slogan de uma campanha de turismo para Sintra, já que a publicidade bonitinha, não passava de uma fraude. Qual lugar idílico para luas-de-mel ou fins-de-semana em contacto com a natureza, qual carapuça — na prática, os turistas deste lugar património da humanidade caminhavam em fila indiana, colados às paredes, em risco constante de apanharem com um carro em cima.

O Esmigalhated II, surgiu um ano e meio depois do presidente da Câmara, Basílio Horta, ter afirmado: “Ninguém nos perdoava se chegássemos ao Verão e não fizéssemos nada. Não podíamos conviver com o caos de trânsito que foi o ano passado”. Pois sim, mas em agosto de 2016, a situação estava ainda mais insuportável, e o risco para os visitantes crescera com a multiplicação desenfreada de tuc-tucs, que os abafavam com o ruído e a poluição dos seus motores, que ainda hoje não são obrigatoriamente elétricos.

Passou mais um ano, e como a função de um jornalista não é a de administrar absolvições, mas de acompanhar os assuntos, o Esmigalhated III saiu em Junho de 2017, quando o número de cinco milhões de visitantes anuais a Sintra já tinha sido largamente ultrapassado, mas mantinha-se o risco de ficarem esborrachados, atropelados, surdos e intoxicados, sem que estivesse implementado um verdadeiro plano de mobilidade. Desse texto constava uma denúncia nova: responsáveis pela segurança no centro histórico, bombeiros incluídos, confessavam-me que não sabiam o que aconteceria na eventualidade de um acidente grave ou de um incêndio em “hora de ponta”.


Agora que, no dia 10 de agosto de 2023, vi as suas previsões tornarem-se realidade, e logo na minha rua, o Esmigalhated IV era também inevitável.
Os desastres com Tuk- Tuks têm-se sucedido, nesta Eurodisney sem Código da Estrada, mas é diferente quando nos calha diretamente a nós, e assistimos ao desespero de uma família de turistas que precisa de socorro e a ambulância não chega... Quando escutamos a sirene tão perto que parece que está quase, quase, só para tomar consciência de que, claro!, ficou presa no engarrafamento ininterrupto, e que os automobilistas não lhe podem abrir alas, porque as bermas estão compactadas com carros mal-estacionados que, dia após dia, ninguém fiscaliza ou multa.

Enquanto isto, uma mãe e um filho que tiveram o inacreditável azar de serem literalmente esmigalhados por um pedregulho que, do nada, lhes caiu em cima, soltando-se de um dos muros que ladeiam o caminho, corriam o risco de se esvaírem em sangue, perante a impotência das duas filhas mais novas. Neste sítio que, em condições de circulação normais, está a cinco minutos do quartel dos bombeiros, mas que neste dia levou quatro vezes mais a percorrer.

Quando os paramédicos constataram que precisavam de uma segunda ambulância, tudo se repete, para angústia dos motoristas, para desespero da própria GNR, que apesar de estar a menos de um quilómetro de distância, chegou ao local depois, para se ver logo obrigada a deslindar o absoluto caos do trânsito entretanto criado, sobrando-lhe muito pouca disponibilidade para atender as duas crianças desamparadas.

Na manhã seguinte, a senhora saía de uma cirurgia para lhe salvar a perna e o pé, iniciando um longo processo de internamento com muitas outras operações previstas, aliviada, apesar de tudo, porque o filho, escapou apenas com pontos na cabeça. Aqui na rua, as pedras do longo muro continuam a ameaçar quem passa, porque “ainda não foi possível notificar o proprietário”, e o trânsito, o ruído e a poluição — e o risco! —continuam indiferentes a tudo. Dia após dia, semana após semana, Esmigalhated após Esmigalhated.
Dr. Basílio Horta, com todo o respeito, duvido que estas vítimas e as próximas lhe consigam perdoar.