CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 GUERRA DE SEXOS: AFINAL QUEM SÃO AS PICARETAS FALANTES?
Publicado em: 26/07/2023
Supostamente as mulheres não se calam. Supostamente perdem-se nos detalhes e demoram horas a contar uma história que um homem resumiria em duas palavras. Supostamente, quando se juntam, formam um “galinheiro”, em que o cacarejar é tão ensurdecedor, que nem as próprias se ouvem umas às outras.

É um rótulo que lhes é aposto desde pequeninas quando, por regra, começam a falar mais cedo do que eles, e que vai perdurando pela vida fora, com a extraordinária particularidade de que muitas vezes é usado como arma de arremesso interpares. E os rótulos têm o condão de se colarem de tal forma que os próprios já nem os sentem como coisa exterior que pode ser descolada, arrancada e reciclada. Resultado, as mulheres tendem a recriminar-se por falar demais, e pedir desculpa por terem monopolizado a conversa no jantar de amigos, na sala de aula, onde quer que seja.

Até que entram na vida profissional. Ah, pois é, quando começam a participar em reuniões de trabalho, percebem que o mais lacónico homem em casa se torna facilmente numa picareta falante, como o saudoso Vasco Pulido Valente chamou a António Guterres. Repetem-se, explicitam por outras palavras, e basicamente não se calam.

Na verdade, se estivessem atentas já o teriam constatado no comentário político, em que os pivots desesperam para os calar; na política, incapazes de resistir a um microfone e, claro, ao balcão do café ou na bancada de um jogo de futebol. Silenciosos quando estão numa mesa com mulheres, transformam-se, discutindo à exaustão um golo, o trajeto do esférico no relvado e as consequências de uma rasteira, quase à apneia.
Por outras palavras, percebem que os homens fora de casa falam mais do que as mulheres.
Fui investigar a minha tese e confirma-se. Verdade.
Quem “corrobora” a minha intuição é Débora Tannen, professora de Linguística na Universidade de Georgetown e autora do livro “Talking from 9 to 5: Women and Men at Work”. Num artigo publicado na revista Time, a própria conta que as mulheres em privado, e entre amigas, falam mais e acerca de temas mais pessoais, mas que, e cito, “Os homens tendem a falar muito mais do que as mulheres naquilo a que se pode chamar espaço público, nomeadamente em contextos formais ligados ao trabalho, como por exemplo em reuniões”.

Baseia as suas conclusões não apenas no seu trabalho, mas também em estudos anteriores como, por exemplo, um clássico assinado por Bárbara e Gene Eakins, que consistiu na gravação e análise de sete reuniões de professores universitários e em que, com uma única exceção, os homens não só intervieram com maior frequência, como se prolongaram durante mais tempo — ao ponto de, no conjunto dos encontros, o comentário mais longo de uma mulher ter sido mais curto do que o comentário mais curto de um homem.
Mas não é só de viva voz que se alongam, assegura, porque quando se analisaram as mensagens escritas, as deles eram duas vezes mais longas do que as delas.

Tannen defende que isto acontece exatamente porque as mulheres se esforçam para se livrarem do anátema de serem tagarelas, sinónimo de futilidade feminina, procurando afirmar-se como o mais profissionais possível, indo diretas ao assunto. Ou, mais grave, optando pelo silêncio e deixando, inclusivamente, que sejam os colegas a desenvolver uma ideia que, na realidade, lhes pertence. A professora entende a cautela, porque se falam com determinação e autoridade, é provável que sejam vistas como demasiado agressivas, mas se não o fazem, correm o risco de serem subestimadas.

Quanto ao silêncio doméstico masculino, a conclusão é minha: não querem é gastar o latim connosco, ponto final.