CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 “OS ÚNICOS GAJOS QUE TRABALHAM”
Publicado em: 28/06/2023
Mas e o que fazem os nossos governantes? Apesar de os terem convidado, tornam-lhes a vida num inferno. Em lugar de estarem no aeroporto a recebê-los de braços abertos, deixam-nos sozinhos contra a ineficácia absoluta do SEF.


Já são 650 mil os trabalhadores estrangeiros a descontar para a Segurança Social, o que representa um aumento de 460 por cento quando comparado com o ano de 2015. Ou seja, estão a contribuir para resolver a maior dor de cabeça deste e de todos os governos de aquém e além-fronteiras, e a preencher o vazio de criatividade e mão de obra deixado por uma população nativa que envelhece e não se reproduz.

Aprendi tudo isto na esplanada de um café, com um senhor que lia alto um jornal, exclamando de quando em vez: “São os únicos gajos que trabalham!”. Entusiasmado pelo meu visível interesse, prosseguiu com uma diatribe acerca dos nem cinco míseros milhões de portugueses ativos, a que é preciso subtrair os desempregados e os 733 mil funcionários da administração pública que, na sua opinião, se limitam a gerir a riqueza criada pelos outros.

Na verdade, todos os pensionistas e os que pretendem vir a sê-lo, deviam voltar a sair às janelas, desta vez a bater palmas aos imigrantes — senão por razões altruístas, então que pelas mais egoístas que, assim como assim, são as que invariavelmente fazem o mundo andar para a frente. É porque, de facto, temos todas as vantagens em receber gente com uma média de idade mais baixa do que a nossa, que em 40% dos casos possui o ensino secundário ou superior, procura ativamente trabalho e, percentualmente, mais contribui para a reversão da taxa de natalidade, segundo o último Censos.

Mas e o que fazem os nossos governantes? Apesar de os terem convidado, tornam-lhes a vida num inferno. Em lugar de estarem no aeroporto a recebê-los de braços abertos, deixam-nos sozinhos contra a ineficácia absoluta do SEF que, com tanta mexida e remexida e o impressionante aumento da procura, não consegue estar à altura deste desígnio nacional. Os serviços (centralizados) não conseguem atender telefonemas, responder a e.mails e, quando finalmente aparece uma voz do outro lado, é para dizer que já não existem vagas para a “entrevista”, nem se podem fazer marcações, deixando as pessoas num beco sem saída — o Portal de Queixas registou até 22 de maio deste ano, 1.357 reclamações contra o SEF, o que representa um aumento na ordem dos 365% em relação ao período homólogo. Um crime que provoca não só enormes tragédias pessoais, como prejudica o país, empurrando esta força de trabalho para o mercado paralelo, para uma realidade paralela, com todos os riscos associados, ou levando-os a desistir e a regressar ao seu país, e nesse caso, chamamos-lhes ingratos.

Marcelo Rebelo de Sousa veio fazer avisos semelhantes aos do meu vizinho de esplanada, no momento em que promulgou a passagem do SEF a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo, recordando que só um sistema mais eficaz conseguirá travar “um processo já muito longo, com graves prejuízos para a imagem externa do país e para o acolhimento do que nos procuram.”

O governo reagiu anunciando que o SEF irá abrir “pavilhões” para despachar os processos pendentes, de forma a passar a “pasta limpinha” aos sucessores. Tudo atendido até outubro, daqui a três meses, para quem quiser acreditar.

Talvez António Costa e os seus ministros se proponham um verão de voluntariado, a atender telefones. Sempre seria mais aceitável do que continuarem com discursos a favor da atração de jovens talentos e de nómadas digitais, do acolhimento dos migrantes e dos refugiados, para depois os encarcerarem em campos de concentração administrativos, negando-lhes qualquer hipótese de uma integração condigna. A ineficiência, o desleixo e a incompetência têm de ter limites.