CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 POR FAVOR, CONTRATEM O DR. MAX
Publicado em: 14/06/2023
Como ninguém aguenta ver mais do que umas tantas horas do “Big Brother João Galamba” — a propósito, onde andam as imagens da bicicleta contra a vidro? —, e há um limite para a tolerância às exibições narcísicas do Dr. Nuno Pedro, não me sobrou outro remédio senão desencantar uma série Netflix para os intervalos.

Foi assim que me viciei no New Amsterdam e na velocidade com que o Dr. Max Goodwin resolve os problemas do seu hospital, sempre com uma noção perfeita do Custo de Oportunidade. Em dias, que têm mais de 24 horas, contorna os limites e as vigarices dos seguros de saúde, oferece um cão em lugar de uma enfermeira a uma velhinha solitária que, de outro modo, deitaria a perder o investimento feito numa cirurgia complexa, boicota as farmacêuticas que cobram preços indecentes por medicamentos vitais, e até põe os barbeiros a medir a tensão arterial, na ânsia de promover os cuidados de proximidade (imagino a alegria que a medida provocaria às nossas Ordens).
Para além da dedicação integral aos doentes, sobra-lhe ainda tempo para cuidar do pessoal, do porteiro ao cirurgião, e faria seguramente as delícias dos dirigentes sindicais dos professores que justificam as greves com a máxima de que só um professor feliz produz alunos felizes — o que, na realidade, levaria à extinção de todas as profissões, incluindo a de estudante, mas adiante. Tudo isto recusando aumentos de ordenados ou redução de horários de trabalho.
Decididamente não sei porque é que António Costa ainda não o contratou, mas talvez seja porque o Dr. Max nunca justificaria seis meses de espera pela aprovação dos estatutos de uma comissão supostamente vital para a regulação do SNS, e com um orçamento de 10 milhões de euros, com a frase que acabámos de ouvir ao ministro da Saúde, de que para as coisas ficarem bem feitas é preciso muito tempo.

Mas que precisamos do Dr. Max, precisamos, e com urgência, porque ironicamente estamos a implodir o Sistema de Saúde com que ele sonha, um serviço que não exclui os mais pobres, onde ninguém nega uma operação de milhões a quem não a pode pagar, em que os medicamentos são comparticipados, e um cardíaco não é obrigado a racionar os comprimidos porque quando acabar a caixa não consegue comprar outra. Inteligente como é, depressa concluiria que a implosão não é por culpa dos “privados” maus, que roubam médicos e enfermeiros, nem das artimanhas das companhias seguradoras, mas pela ineficiência da oferta pública, da ideologia posta à frente da razão, e que leva a que, com cada vez mais dinheiro, se consigam menos resultados.

Imagino como o pobre homem ficaria com os cabelos em pé — os poucos que lhe restam da quimioterapia que faz na temporada que estou a ver —, quando lesse o último estudo do INE, descobrindo que em 1999 as consultas no privado representavam 15,6 % do total no país, mas que em 2019 já iam nos 37%, ou seja em
6, 5 milhões de consultas de especialidade por ano e mais de 250 mil cirurgias; que o privado tem cerca de metade das camas de internamento; que subiu 27% nos atos complementares de diagnóstico e/ou terapêutico, e tudo isto em confirmadíssimo crescendo.

Em grande parte, graças ao facto de já três milhões de portugueses se terem sentido na necessidade de fazer um seguro de saúde, mas também pela delegação de competências do SNS, que paga a conta porque não consegue prestar o serviço que estava obrigado a oferecer.

Se o resultado de tudo isto fosse despachar os mais ricos para o Privado e, com menos clientela, cuidar melhor dos mais pobres, estou segura de que o Dr. Max mandava abrir uma garrafa de champagne, mas o que lhe seria totalmente incompreensível, era que a menos clientes — tanto nos hospitais, como nas escolas — não correspondessem melhores cuidados.

Pensando melhor, talvez seja preferível trazer antes o Dr. Iggy Frome. É o psiquiatra.