CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 A INFIDELIDADE CHEGOU AOS BANCOS
Publicado em: 17/05/2023
Mas quem está, também, a ser alvo de infidelidade financeira são os nossos bancos, que têm vindo a assistir à fuga dos depósitos para os certificados de aforro.


Acabei de descobrir um termo novo: Infidelidade financeira. Ouvi na BBC.
Implica esconder dívidas, subtrair poupanças ou dar uso ao dinheiro sem o conhecimento do outro elemento do casal, e faz tanto mal aos casamentos como a outra, dizem os especialistas. Ou pior, porque descobrir que o conteúdo do nosso porquinho mealheiro foi gasto a comprar ações de uma empresa de sorvetes no Alasca deve doer muito, para não falar do tempo que levará a remendar um coração desfalcado.

Aparentemente, é um fenómeno em crescendo. Um estudo feito em 2022, pela US News & World Report, dá conta de que um em três casais norte-americanos experienciou esta traição, confessando que teve um impacto muito negativo na relação e em 10% dos casos conduzindo ao divórcio.

Em crescendo, seguramente. Afinal, não foram só os sites de encontros online e os Tinders que invadiram o mundo virtual. Também de lá saltam, como cogumelos, as propostas financeiras que asseguram transformar-nos em milionários, as criptomoedas, seja lá o que isso for, as ofertas de crédito que prometem um Ferrari à porta na manhã seguinte, as Black-Fridays e outras oportunidades únicas de gastar e ainda ficar a ganhar. Sempre com o apelo a uma decisão imediata, a um “agora ou nunca”, e tudo à distância de um clic, feito a partir de um telemóvel que se segura nas mãos, provavelmente até no conforto de um sofá partilhado com a cara-metade. Pensando bem, já nem há o canhoto do livro de cheques para denunciar rapidamente o crime que, uma vez cometido, é compreensivelmente de difícil confissão. De facto, era caso para exigir um levantamento popular, tal como o das Mães de Bragança, para nos proteger de tanta tentação, desta vez, dentro da própria casa.

Em Portugal, o infiel pode, no entanto, procurar defender-se alegando iliteracia financeira digital, e até anexar ao processo-crime o último relatório da OCDE que revela que somos uns bananas quando se trata de encontrar uma password segura, não verificamos a origem dos pedidos que nos aparecem no e-mail, e caímos que nem uns patinhos em tudo o que nos vendem, porque não temos consciência dos nossos direitos online. Por exemplo, diz o relatório, apenas um terço dos utilizadores da internet está ciente de que os seus dados pessoais — nomeadamente, os publicados nas redes sociais — podem ser utilizados pelas instituições financeiras.

Mas quem está, também, a ser alvo de infidelidade financeira são os nossos bancos, que têm vindo a assistir à fuga dos depósitos para os certificados de aforro. Tal como o marido justifica a amante com a falta de débito conjugal, ou a mulher alega que o enganou porque ele não tinha paciência para a ouvir, também estes novos infiéis financeiros explicam a transferência do seu afeto com os juros miseráveis que recebem. Só que os bancos, em lugar de armarem uma cena de peixeirada perante a traição dos clientes, comportam-se como o chamado “corno manso”, sorrindo para o prevaricador e até dizendo que compreendem perfeitamente que se tenham ido deitar noutra cama.

Ora, e era aqui que queria chegar, isto constitui um insulto aos clientes que se mantêm fiéis e não se deixam seduzir por propostas alheias. Gente que até quando decidiu comprar casa os incluiu num verdadeiro “menáge à trois” é agora relegada para segundo plano, com a justificação de que dinheiro têm eles de sobra. Na verdade, as falinhas mansas só regressam quando os infelizes precisam de um crédito, mas, mesmo então, obrigam-nos a deixar de garantia tudo o que têm, incluindo a própria sogra.
Decididamente se isto não é infidelidade financeira não sei que outro nome pode ter. Uma coisa é certa, estes casamentos assim não vão longe...