CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 "ESQUEÇA LÁ AS FÉRIAS NAS CARAÍBAS"
Publicado em: 22/01/2023
Há alturas em que parecemos ratinhos a correr na roda, a correr, a correr, a correr, enclausurados numa gaiola sem portas, nem janelas. Só vemos as grades a passar, como se estivéssemos num comboio de alta velocidade, e quando alguém nos pergunta se lá fora está sol ou chuva, não fazemos a menor ideia. O que nos sustém é a ideia de que quando finalmente atingirmos a meta a que nos propomos — seja acabar de escrever um livro, de construir um edifício, ou de deixar de ser o Uber dos nossos filhos —, então sim, finalmente vamos poder descansar. É essa a cenoura, ou melhor dizendo o queijinho, que nos mantém vivos, capazes de suportar as poucas horas de sono e a claustrofobia de não termos um momento só para nós, que não venha acompanhado de um enorme sentimento de culpa por não estarmos a trabalhar.

Nestas fases até sonhamos com o prazer de retirar calmamente os enfeites de Natal da porta ou de desmontar o Presépio (sim, ainda lá estão!), de pôr ordem nas gavetas ou, até, da felicidade que, afinal, nos dará emparelhar meias, partindo em busca daquelas que se perderam.

Mas é precisamente quando a maratona acaba e nos preparamos para gozar o merecido prémio que damos conta de um inacreditável paradoxo: dois dias depois, estamos estupidamente a recriminarmo-nos por estarmos "sem fazer nada". Mesmo que o "não fazer nada" seja, apenas, por comparação ao excesso a que o projeto anterior nos obrigou. O resultado é que quando damos por isso estamos de novo a correr, como ratinhos viciados, frustrados pela nossa incapacidade de nos darmos descanso, de nos tratarmos a nós mesmos com mais compaixão.

Pois, mas pelos vistos viver é isto mesmo. Afinal os ratos em liberdade também correm cinco quilómetros por dia em rodas, e até as rãs gostam daquela adrenalina, mesmo quando têm a floresta toda para brincar. Não estou a inventar, juro: uma neurofisiologista chamada Johanna Meijer, da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, fez a experiência no seu jardim e, ao longo de três anos, filmou mais de 12 mil animais a fazerem exercício no aparelho que instalou entre a hera. Os únicos renitentes eram, adivinhe, os ratinhos domésticos, claro está, provavelmente porque têm um medo visceral a tudo o que se assemelha a uma ratoeira.

Pensando bem, antes desta descoberta, já o filósofo Alain de Botton nos tinha avisado. Avisado que não nos damos bem com uma agenda sem compromissos, e que a ilusão de "quando isto acabar, vou reformar-me numa ilha das Caraíbas" é uma manobra ardilosa do cérebro para nos levar a dar o litro. Garante que o cérebro está desenhado para não nos deixar descansar, inventando problemas, até quando eles objetivamente não existem, só para se assegurar de que não cruzamos os braços por muito tempo. E, infelizmente, a forma que (o cérebro) encontrou de garantir o nosso desassossego permanente sempre que a nossa mente está desocupada, é povoando-a de dúvidas existenciais do género: "O que é que ando nesta terra a fazer?", "Se me sento agora, a preguiça toma conta de mim e nunca mais me levanto", ou atacando-nos com uma melancolia sinistra que nos põe a contar os anos que faltam para nos irmos daqui embora.

Não admira que voltemos alegremente para a roda, tendo em conta a alternativa.

Decididamente, se não temos um chefe a mandar-nos trabalhar, não nos sobra outro remédio senão criar projetos para nós mesmos, tarefas com objetivos concretos, metas que nos devemos esforçar para alcançar, convencendo-nos de que são de vital importância para nós e, até, para a humanidade. Depois disto, garanto-vos que olho para os ratinhos com uma nova admiração.