CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 A ARTE DE ENSINAR AS CRIANÇAS A ESPERAR
Publicado em: 26/02/2021
Também concordo que todos nós, crianças e adultos, temos falta de prática em escutar o outro. Mesmo nas conversas em que estamos envolvidos somos rápidos a interromper e a ouvir apenas a informação que nos permite pensar numa resposta.

Ana,

É muito irritante quando os miúdos interrompem as conversas dos adultos. Ignoram completamente que estamos a falar e perguntam-nos coisas, como se não estivesse uma pessoa à nossa frente ou do outro lado da linha. Ou, em estando, partindo do princípio que têm a obrigação de esperar que o assunto deles se resolva primeiro.

No meu tempo não era assim — há quantas Birras não usava esta expressão! Levávamos nas orelhas e esperávamos, impacientes sim, saltitando de um pé para o outro, fazendo gestos e mímicas, mas calados. Já vocês... hum, não sei. Suspeito que mal percebia que havia o risco de interromperem a conversa, apressava-me a pedir desculpa ao meu interlocutor — “Só um minutinho para resolver aqui uma questão” — tal o medo que vocês passassem por mal-educados, ou seja que ficasse muito evidente que eu não vos sabia educar (como tu e os teus irmãos me lembravam sempre que usava o termo).

Pronto é isto. Quero que me elucides sobre a arte de ensinar as crianças a esperar.

PS: Ana, só um aviso, não os desculpes, por favor, dizendo-me que os adultos também se interrompem constantemente, que o facto de os adultos serem mal-educados só reforça a minha ideia de que temos de investir numa nova geração com mais respeito pelos outros.

***

Querida Mãe,

Espere, mas então na sua geração não interrompiam os adultos e, no entanto, agora que são crescidos interrompem? Já com a minha foram mais permissivos e nós também interrompemos... Bem então se calhar não há mesmo nada a fazer!

Agora a sério, concordo que é a coisa mais irritante do mundo. Então com o telefone há menos cerimónia e adoro (ironicamente) quando depois de respondermos “Querido, agora espera que estou ao telefone”, eles dizem logo “Ah, está bem, desculpa... Mas mãe...” e continuam como se nada fosse. Ou então aproximam-se vêem que estamos ao telefone e começam numa narrativa gigante contando uma história qualquer (normalmente sobre como os irmãos foram injustos), completamente insensíveis a qualquer indício de que a) não estamos a ouvir b) não queremos ouvir!

Também concordo que todos nós, crianças e adultos, temos falta de prática em escutar o outro. Mesmo nas conversas em que estamos envolvidos somos rápidos a interromper e a ouvir apenas a informação que nos permite pensar numa resposta. E isto é especialmente verdadeiro em relação aos nossos filhos. É muito difícil não os interromper o tempo todo ou porque, como somos mais rápidos e experientes, percebemos o que nos querem dizer logo no início e cortamos-lhe a palavra com um “Sim, sim já percebi”, ou porque perdemos rapidamente a paciência para o tempo que as histórias demoram.

E é exigente acalmar o nosso ritmo, nivelando-o pelo ritmo deles. E eles também têm dificuldade em adaptar-se ao nosso, como por exemplo quando o “é só um bocadinho”, significa daqui a uma hora e meia. O tempo não é igual para as crianças e compreender quanto têm de esperar não é automático, muito menos encontrar a paciência para aguentar, já para não falar no treino para guardarem na memória o que tinham para nos dizer.

Mas, mãe, há formas de ir exercitando a espera, e uma delas é a vida real: para isso é preciso que não estejamos sempre a alterar a realidade, para lhes dar a prioridade 100% das vezes, sacrificando-nos a nós e às nossas conversas. A outra é ir-lhes lembrando que têm de esperar, com calma, milhões de vezes, com a consciência de que é uma competência difícil, e que faz parte do nosso “job description” repetir tudo muitas vezes, durante anos a fio.

Eu tenho um truque que é, para mim, o melhor de todos, até porque é muito simples, e extraordinariamente eficaz: o truque da mão. Combinar com eles um código secreto – normalmente pedir-lhes para colocarem a mão deles na nossa anca, sem dizer nada, quando querem dizer alguma coisa e estamos a falar com alguém. Logo que sentirmos esse toque pomos a nossa mão por cima da deles, sinalizando que “Já percebi que tens alguma coisa para me dizer, e logo que puder pergunto-te o que é”. O conselho é que ao início se responda bastante depressa, para mostrar o sucesso da estratégia mas ao longo do tempo, mais ainda com os mais velhos, se vá prolongando o tempo de espera, apenas apertando a mão de vez em quando para mostrar que não nos esquecemos do pedido.

Funciona mesmo! E é, na verdade um truque óptimo mesmo entre marido e mulher quando há mais gente à volta.

Beijinhos

P.S.: Depois há sempre a nossa estratégia de ficar presas no elevador, lembra-se? Essa é 100% eficaz!


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