CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 DIA 122: QUANDO OS TIK TOKS ESCANDALIZAM AS AVÓS (E AS MÃES)
Publicado em: 26/11/2020
Lembro-me como me chocou a reacção da minha mãe quando eu tinha uns 14 ou 15 anos e me viu sentada nos joelhos de um amigo. Incomodou-me tanto aquele raspanete para um gesto tão inofensivo, que não gostava de fazer o mesmo papel. E, no entanto...

Ana,

Duas birras que, se calhar, são só uma.

1. Custa-me imenso ver crianças maquilhadas e de unhas pintadas. Mini-adolescentes em frente de um espelho de batom na mão, ou a colorirem alegremente os olhos. Apesar de tudo começo a ser capaz de aceitar que se limitam a brincar com tintas e pincéis, com texturas e materiais, e que não é muito diferente daqueles momentos em que nas festas de crianças alguém as pinta de borboletas ou sereias. Usam-se como tela, ponto final. Mas, mesmo assim, de cada vez que vejo uma menina de unhas pintadas apetece-me gritar.

2. Passo-me por dentro, contenho-me por fora, quando vejo Tik Toks de crianças e mini-adolescentes, ou não tão minis, em poses ou danças sedutoras, por muito que saiba que não fazerem ideia de que aquelas têm uma conotação erótica. Fico sem saber como reagir, porque se por um lado me apetece fazer-lhes um sermão sobre como pode ser indesejável e perigosa aquela exposição, e que meninas-como-deve-ser não fazem aquelas figuras, não quero plantar-lhes na cabeça medos, nem poluir-lhes os pensamentos. Lembro-me como me chocou a reacção da minha mãe quando eu tinha uns 14 ou 15 anos e me viu sentada nos joelhos de um amigo. Incomodou-me tanto aquele raspanete para um gesto tão inofensivo, que não gostava de fazer o mesmo papel. E, no entanto...

Invejei muito a maneira, tão mais livre do que a minha, como tu e as tuas amigas conviviam com o corpo, sem vergonha de se olharem ao espelho, sincronizadas naquelas danças (lembras-te da Macarena?), porque ao contrário de mim sabiam bem onde estava a cabeça e os pés (não te rias, nas aulas de Pilates ainda demoro a seguir as instruções porque não tenho uma imagem interna do meu corpo), mas será que apesar disso, não sentes também um “gap geracional” em relação a tudo isto? Desta vez será que a avó e a mãe estão mais próximas do que a mãe e a filha?

E já agora, alguma ideia de como sossegar esta aflição?

Bj

***

Querida Mãe,

Quando estudava educação de infância, uma das minhas professoras esteve uma aula inteira a dizer como era horrível e prejudicial “adultificar” as crianças, deixando-as pintar as unhas e maquilharem-se. Eu não era mãe e ouvi tudo aquilo com interesse. Teoricamente fazia sentido. Juntei-lhe aquele seu desabafo “Se fazem tudo agora o que vão fazer quando crescerem?”, e pensei que tinha a minha opinião formada sobre este assunto.

Depois nasceram as gémeas. Não havia grande motivação para gostarem desse tipo de coisas, porque como bem sabe, não tenho artefactos de maquilhagem, é raro usar colares ou brincos e até tenho pouca paciência para “trapinhos”. E, no entanto, desde que são mínimas vejo-as explorar os vernizes e as tintas.

Depois começaram a pedir às tias maquilhagens “a sério”. De repente, quando tinha um concerto e era preciso maquilhar-me, ia à gaveta do quarto dos “brinquedos” buscar o que precisava. Depois, mais um depois, vi-as a subtilmente convencerem-na a si (!) a pintar as unhas de outra cor que não transparente. Sem dar por isso estava a passear no shopping e a ser arrastada para as lojas de maquilhagem “Só para ver, mãe!”. E, para rematar, ainda a semana passada as vimos a discutir com a maquilhadora, que nos preparou para o programa A Nossa Tarde, tipos de produtos, cores e técnicas aprendidas no Tik Tok.

No outro dia, depois de um comentário de que eram muito novas para se maquilharem, uma das gémeas disse-me: “Mãe, eu sei que sou nova demais para ir maquilhada para a rua. Mas é tão divertido maquilhar-me, nem é para ficar mais bonita, é só porque é giro.” Por isso, voltei a lembrar-me das minhas aulas de educação de infância, mais especificamente na definição de brincadeira: o acto de nos envolveremos em coisas divertidas, que nos dão prazer, sem terem que ter um propósito especifico. E é isso que elas fazem. As ferramentas que usam não são legos mas tintas para a cara, mas a essência é a mesma.

Em relação às danças mais provocadoras confesso que também me fazem um pouco de confusão, e temos que ter mesmo cuidado com as letras das músicas que cantam e que não fazem ideia do que estão a dizer. Não é que não as possam ouvir, mas convém explicar-lhes (de uma forma suave e adaptada à idade) o que está a ser dito e o que sentimos sobre aquilo. Já as vi com toda a inocência a fazer Tik Toks com letras absolutamente chocantes, sem obviamente fazerem a mais pequena ideia do que estavam a ouvir. Temos mesmo que ver com eles estes Tik Toks, conversar sobre as diferenças entre explorar o corpo livremente (e há ali tantos, tantos exemplos espectaculares disso mesmo), e o que é uma erotização do corpo. Ao contrário do que pensamos muitos destes temas são abordados directamente pelos youtubers e tik tokers que eles seguem, e que fazem um bom trabalho pedagógico. Se estivermos atentos, é fácil encontrarmos bons exemplos dentro do mundo que conhecem e admiram como ponto de partida para conversarmos sobre este assunto.

Quanto à sua pergunta, se eu e a mãe estamos unidas neste assunto, e mais distantes desta nova relação... Sinceramente, olhando para as suas “novas” unhas espectaculares e o prazer que vocês as três têm em ir às compras, eu sinto que sou mais a “avó” e vocês as adolescentes!

Beijinhos!


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