CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 ABRIR MÃO DE SER "BOA PESSOA"
Publicado em: 02/01/2019
E se a convicção de que somos "boas pessoas" nos estivesse a impedir de sermos melhores pessoas? O conceito de Ética Restrita, e o que tem para nos ensinar.

Aquilo que a maioria de nós deseja é que os outros a achem, acima de tudo e antes de mais, "boa pessoa". E quando alguém as define como tal, ficam aos saltinhos de contente por dentro, e até com borboletas na barriga.

Se, como eu, pertence a este grupo, vai perceber porque me surpreendeu o título de uma Ted Talk que dizia "Como abrir mão de ser "boa pessoa", para se tornar numa pessoa melhor". Cliquei instantaneamente no botão para ouvir. A oradora é Dolly Chugh, psicóloga social, e num primeiro momento descreve tudo tal e qual: da felicidade sentida quando até um desconhecido nos elogia com este epíteto, do esforço de cumprir com as boas ações que o título exige, sem esquecer a culpabilidade que nos pesa quando nos afastamos do padrão que estabelecemos como sendo o de uma pessoa de bem. Não esquece a fúria que nos provoca a acusação de não o sermos.

Mas depois vira tudo ao contrário. "E se vos disser que o caminho para nos tornarmos pessoas melhores começa por nos libertarmos de ser boas pessoas?", pergunta.

Para chegar à sua tese, apresenta-nos o conceito de Racionalidade Restrita, que basicamente defende que apesar de estarmos absolutamente convencidos de que tomamos uma decisão na plena posse de todos os dados, na realidade fazemo-lo apenas com aqueles que o nosso cérebro bem entendeu servir-nos. E aquilo que a nossa mente nos omite não é coisa pouca — a cada estalar de dedos absorvemos 11 milhões de pedaços de informação, mas apenas uns míseros 40 são processados conscientemente (e mesmo esses já são, muitas vezes, areia de mais para a nossa camioneta!). O pior é que os tomamos pela realidade objetiva, pelo todo.

Ora, o que a equipa de Dolly Chugh foi procurar saber é se a nossa mente nos ilude da mesma forma quando as questões são do foro ético — ou seja, se existe também uma Ética Restritiva — para concluir que sim, sem qualquer dúvida.

Mais uma vez, só nos chega aquilo que consegue passar a barreira dos nossos preconceitos inconscientes. Que, para complicar a coisa, podem não estar de acordo com as nossas crenças conscientes.

O resultado é que nem sequer nos apercebemos de que, na prática, não estamos muitas vezes a agir como as "boas pessoas" que tanto acreditamos ser, e se alguém nos chama a atenção ou se atreve a insinuar que fomos racistas, snobs, homofóbicos, ou coisa do género, agimos imediatamente à defesa, sem nos pormos em causa.

Mas atenção, diz a psicóloga social, este hiato entre o que imaginamos ser e o que somos é objetivamente inevitável, mas já é possível estreitar a distância se aprendermos a questionar as nossas ideias e decisões. Contudo, só nos "policiaremos", se aceitarmos que... não somos intrinsecamente boas pessoas. Não completamente.

O que não quer dizer que sejamos más. Como diz Chugh é esta ideia dualista, este "ou/ou", que nos trama. Por isso aconselha-nos a fazer como ela, e a definirmo-nos antes como a "goodish person" (uma pessoa tendencialmente boa). Aceitando, afinal, que a arte de ser "boa pessoa", como todas as artes, requer persistência, trabalho e espaço para melhorar.

Parece-me bem. Adjudiquei uma das minhas doze passas a este desejo para 2019. Bom Ano Novo.